Era ano de 1969, havia me inscrito no Serviço Militar no 17º Regimento de Cavalaria que ficava na cidade onde estava, em Pirassununga, interior de São Paulo.
Um dos motivos que me atraiu foi a Cavalaria, sempre gostei de cavalos e por isso achei que ia me dar bem.
Realmente, desde os primeiros dias isto foi comprovado. Mas as atividades eram muito diversificadas e os cavalos ocupavam apenas uma parte de nossas tarefas.
Recebi o meu cavalo, não era aquele cavalo, mas logo me entendi com ele e por um ano fomos bons amigos. Conheci seus pontos fracos e ele, acredito, os meus também.
Os exercícios eram coisas fáceis para mim já acostumado com montaria desde criança. Apenas a equitação foi novidade. Saltar obstáculos, trincheiras, etc. Mas logo eu e meu cavalo entramos no ritmo e não houve problemas!
Passado alguns meses foi anunciado que o Quartel todo participaria de uma Manobra Militar em conjunto com a Aeronáutica na Fazenda dos Ingleses!
Sabia que seria um exercício de guerra! Apesar de tudo fiquei dividido entre a aventura de ir e a de escapar de tal façanha!
Foi ai que tive uma idéia!
Procurei o meu superior imediato, o Sargento Gregório e Wantuil e comuniquei, como era estudante na Escola Pública da cidade não poderia faltar à semana de provas!
(Na verdade não era semana de provas, apenas um pretexto para escapar e ficar na cidade)
Apresentei-me ao Sargento, bati continência e disse:
- Sargento Gregório, eu estou com um problema, não poderei faltar às provas da semana!
Com olhar severo, olhou-me e disse:
- Descansar soldado!
- À vontade!
- Vou comunicar ao Major e logo trarei a resposta para você. Mesmo assim continue com os preparativos.
- Obrigado Sargento, disse eu.
Passado algum tempo veio em minha direção o Sargento Gregório, para o qual me coloquei em continência.
- Fique a vontade soldado.
- O major Lara não lhe dispensou das manobras, porém após os exercícios uma das viaturas o trará para a cidade e no dia seguinte o levará ao campo de treinamento!
- Obrigado Sargento - e logo me desfiz da continência.
Chegou o dia da partida, às seis horas o soldado corneteiro toca o toque de alvorada e toda a tropa já com suas mochilas corre em direção ao Rancho para a primeira refeição do dia e logo em seguida partir.
A viagem foi longa, os pelotões seguidos de seus batedores seguiam em fila indiana trotando pelas colinas e serras verdejantes.
Ao atravessar a Rodovia Dutra, uma operação foi montada em conjunto com a polícia Rodoviária para a Tropa passar!
Armamentos, munições e rações eram carregados por cavalos que seguiam a tropa.
A viagem corria tranqüila até o momento que veio um:
- Alto Companhia!!!
Correu a notícia alvissareira de que um incidente havia ocorrido com um dos Pelotões.
Logo vimos um dos veículos de retaguarda passar pela tropa, era um carro de ambulância.
A notícia logo veio.
- Pessoal um dos cavalos foi atingido por uma mina (de festim)!
A exclamação ecoou pelas colinas num só “ ohhhhhh ”.
A indagação permaneceu no ar.
- Quem estaria no cavalo ?
- O soldado também se feriu!?
- Foi grave, o que realmente acontecera!?
Felizmente o incidente apenas feriu o cavalo que pisou numa das minas espalhadas no trajeto. Foi colocado no caminhão ambulância e levado ao Quartel para cuidados médicos!
- Ufa ! – todos respiraram aliviados!
A viagem continuou tranqüila, às vezes até cochilávamos em cima dos cavalos visto que estávamos marchando todos em fila indiana.
Passamos por uma fazenda com imensos laranjais e logo ao me aproximar me estranhei ao ver muitos soldados, dos que estavam à frente, invadindo o laranjal.
Alguém me encorajou a fazer o mesmo dizendo:
- Não se preocupe, todo prejuízo do laranjal é ressarcido pelo Exército.
Foi ai que tranquilamente eu desci do meu cavalo, amarrei-o numa árvore e me uni aos demais que estavam a saborear doces laranja e outras frutas.
Depois de um bom descanso recebemos ordem para entrar em forma e marchar.
Passamos por algumas ruínas de velhas senzalas e fomos comunicados que ali há poucos dias o Exército havia desmantelado alguns guerrilheiros de São Paulo. (Era plena ditadura militar da Revolução de 1964).
Logo chegamos a Fazenda dos Ingleses. Passamos em frente à sede e depara com um senhor magro de boné sentado em sua cadeira de balanço a espreitar a tropa que passava.
Apenas alguns oficiais rumaram em direção a varando onde estava aquele senhor. Parece que para cumprimentá-lo, pois a fazendo a ele pertencia.
Ficamos sabendo depois que aquele senhor de aparência esquia e tranqüila fora um oficial do Exército Britânico.
As primeiras atividades foram montar o Acampamento. As barracas eram utilizadas por dois soldados cada uma.
À tarde rápida chegou e antes mesmo de terminarmos as tarefas ouvi o meu nome ser chamado por um dos oficiais!
- Soldado 294 favor apresentar-se!
- Soldado 294, Neves apresentando! (Corri e coloquei-me à ordem.)
Mas uma dúvida surgiu logo em seguida. Em forma e batendo continência parei-me em frente ao oficial perguntando.
- Senhor! E como faço com o meu cavalo.
Numa rápida atitude o Tenente olhou para o primeiro soldado a sua frente e pediu que além do seu cuidasse também do cavalo 132, o meu!
Fiquei sem palavras, pois era um de meus amigos e sabia que ele ficaria com responsabilidade dobrada. Mas o que eu poderia fazer. Ordens são ordens!
Logo embarquei numa viatura que saiu ainda antes do sol se por e em pouco tempo estava na cidade longe daquele território de treinamento de guerra.
Não pude deixar de lembrar dos colegas que lá no campo estavam a enfrentar uma noite repleta de incidentes.
Mas este segredo eu tinha que guardar, não podia mais voltar atrás.
E assim perdurou a situação durante toda a manobra na Fazenda dos Ingleses. De dia eu participava dos exercícios e a noite ia para a cidade numa viatura do Exército especialmente destacada para isso!
Esta é uma das doces lembranças que o tempo não apagou.
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