Quero deixar aqui registrado a minha concordância com as afirmações de que o cão é o melhor amigo do homem e de que há entre o cão e o homem uma ligação muito maior que podemos imaginar.
E de que dos animais, talvez o cão seja aquele que mais sintoniza com a mente humana. O cão assim como o homem é um ser extra-sensitivo, o cão por um lado permanece com estes instintos puros, incorruptíveis enquanto o homem pelo contexto em que vive já perdeu ou deixou adormecer boa parcela desta sua capacidade nata. É possuidor de uma sensibilidade inigualável capaz de sentir e pressentir coisas que escapam ao sentido humano.
Proponho-me aqui narrar as minhas principais experiência com O Cães, os cachorros, como dizia São Francisco de Assis, “nossos irmãos” (de quatro patas).
Sessenta anos já se passaram, mas a lembrança de meu primeiro amiguinho não. Norte era o cão que vivia na fazenda de meus avós. A raça dele não me lembro bem. Apenas me recordo que era um cão robusto, dócil, acho que pode até ter sido um lavrador, ou parecido com esta raça. Sei que era um cão da fazenda acostumado a ajudar meu avô na lida com o gado e nas horas vagas meu companheiro e amigo inseparável. Ele até me deixava montá-lo como se fosse meu cavalinho...
Infelizmente o destino nos separou muito antes ainda de meus pais se mudarem da fazenda para a cidade. Ainda me recordo que era costume do Norte ausentar se periodicamente, quase diariamente para ir até a fazenda do tio Orozimbo (não sei o porquê),distante cerca de mais ou menos 5 quilômetros, mas sempre retornava no mesmo dia. Certa vez ao cair da tarde vovó sentiu a ausência do Norte com a chegada da noite. Preocupada vovó comentou com o vovô:
- João estou preocupada com o Norte, ele sempre que vai no Orozimbo volta antes do anoitecer!
- Verdade Anita, é mesmo, ele sempre volta antes da noite chegar, vou dar uma espiada lá fora e pedir para o Zé Soares e os meninos dar uma procurada.
Então vovô saiu fiquei com vovó lá na cozinha, a noite caiu e não ouvi mais falar no assunto e devo ter caído no sono logo. Só no dia seguinte acordei já ouvindo meu avô perguntando para o empregado:
- Zé, você e os meninos encontraram o Norte por ai?
- “Num sei cumpadi”, mas mandei o Carlinho ir até o Orozimbo, seguir a estrada e sondar o que aconteceu.
Eu fiquei a observar o Morro da Onça lá no horizonte (a Leste) imaginando que ele bem poderia saber o que acontecera, pois, em sua imponência toda, ficava sempre a espreitar a todos que passava na estrada a seus pés.
O almoço nem estava pronto ainda ouvi o Zé Soares chamando vovô, indo a sua direção lá no paiol. Logo vovô veio em direção à varanda e foi logo chamando vovó.
- Anita, Anita! Os meninos do Zé Soares encontraram o Norte morto lá na estrada, lá no Morro da Onça. Ele devia estar voltando ontem quando foi mordido por um cascavel. Tá lá todo inchado e com o sinal dos dentes da cobra na coxa.
- “Ara”, “ara”.. vê se pode João! Ele sempre ia e “vortava”. Como pode tê acontecido
”issu”?
Lembro ainda de depois um longo silêncio tomar conta lá da casa. Parece que até os animais lá fora, as vacas, os bezerros, os pássaros... ficaram em silêncio. Eu lembro-me que permaneci onde estava brincando, debaixo da mesa da cozinha, sem palavras, só depois de um bom tempo toquei no assunto e só depois de muitas décadas volto a lembrar do amigo querido.
Norte, um cão que sempre ia para o Leste e um dia ele não voltou nunca mais !
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